quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Uma feira de vozes
Numa sala fechada…

Caiu a noite
Fez-se silêncio
Tudo partiu

A um canto da sala
Uma jarra
E duas flores
A beijarem-se furtivas

Fez-se silêncio
E o amor surgiu!
Quero acreditar
Que tudo tem um sentido
Que as lágrimas que correm
E o sangue que se derrama
Alimente o imenso oceano da eternidade
Altar de todas as bodas
Forno de luz
A jorrar borboletas no Universo.
Caminhava pela estrada
Num sem sentir total
Nem a chuva nem o vento
Nem um frágil pensamento
Que se revolte

Era muito longa a estrada
Uma recta sem fim
As árvores iguais
Ao longe um deserto
Mas nem o olhar temia
Nem o corpo sofria
Caminhava ausente
Pela estrada sem fim
Sem sombra de dúvidas
Era aquele o caminho
Que decidiu seguir

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Os homens saíram à rua
E não se importaram de morrer
E o poder tremeu
E o poder caiu

E os homens acreditaram
Que o destino se constrói
E o seu barro é o sonho
E foram para a rua
E o poder tremeu
E o poder caiu

E os homens descobriram
Que não estavam sós
Que outros homens viviam a mesma solidão
A mesma fome a mesma fatalidade
E foram para rua
E o poder tremeu
E o poder caiu

Os homens sempre os homens
Adormecidos manietados
Até um dia
Em que não se importaram de morrer
E foram para a rua
E o poder tremeu
E o poder caiu
Tantos olhares postos no céu
Um único céu
Um único pensamento
A grande dádiva da vida
Nessa imensidão de Ser
Em que todos estamos
Num abraço feito Terra
O paraíso prometido
Em cada pedaço de chão
Onde os pés repousam
E de joelhos as mãos oram

Tantos olhares desesperados no céu
Na ânsia de qualquer coisa que seja sinal
Quando as mesquitas explodem
E as igrejas são devastadas a tiro
A humanidade fica mais só.
Está longe o Sol
E quando o olho não consigo ver…

Os olhos fecham-se porque tenho medo
Tão longe tão inalcançável
Queria olhar!

À minha volta uma fogueira
Dentro de mim um fogo intenso
E todo o sonho se projecta no longínquo
Aquela bola que não ouso olhar
Por ter medo de a perder
Por ter medo um medo de deixar de a ver
O fogo
A luz
O céu incendiado de cores
E o teu rosto a sorrir ao longe!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Acidente

Todos os dias trazem novas surpresas
Acasos impensáveis obscuros temidos
Todos os outros têm direito ao destino
Mas cada eu espera as coisas predizíveis

Todos os acidentes têm uma história
Mas não deixam de ser imprevistos brutais
Os que fazem a história de cada homem
Que nasce num instante de rotura
Mas não deixa de temer todas as roturas

Estava um dia de Sol
No instante a seguir num hospital escuro
As dores eram lágrimas de raiva
Nenhuma razão se conforma com os acasos da vida.
Na esquina da rua
Alguém espera
A manhã cresce
Vem a tarde e vai-se
E chega a noite.

Na esquina da rua
Alguém espera
Pela manhã.

Dilúvio

Pássaros voam sobre a imensidão da água
Procuram os caminhos os cantos os ninhos
Mas a água imensa um oceano que arrepia
Paira sobre o olhar de espanto dos náufragos

As asas batem já cansadas
As árvores deixaram de existir
As torres os campanários as antenas
Todas as referências se afundaram se foram

E as aves interrogam o céu
Tal como os homens tal como as árvores
Só o silêncio do espelho de água
Responde ao grito das inquietações.