segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Na aldeia

Sentado ao Sol
A ouvir os pássaros
Num dia de inverno

As flores de nespereira
Emanam a música constante
Das abelhas e do mel.

Na noite fria
O silêncio da noite
O calor da lareira

Junto ao fogo
O crepitar das chamas
No bailado do sono

Nas noites frias de inverno
A luz das estrelas
Só aquece quem as olha

No Sol de inverno
O gato olha
À procura duma manta

Os medronheiros
Salpicam de vermelho
O verde da floresta

Do chão húmido
Brotam desafiadores
Os cogumelos.

Crise

Os pensamentos estão inquietos
Não se sabe o que dizer o que pensar
Há um fantasma que assusta um gigante que assombra
A CRISE que ameaça o conforto
O que sabemos fazer todos os dias

A vida é construída de pequenos gestos
De projectos de sonhos de fantasias
Para os dias futuros dum amanhã que se deseja

Subitamente
A CRISE
O monstro de todos os pesadelos
Que surge do nada
E ameaça

E todo o amanhã é interrogação
Todos os planos têm o paladar da ilusão

O refúgio que resta
É o do sol no banco do jardim
É o do sorriso
Na boca de quem se ama

Um futuro de mãos dadas
A reinventar novos caminhos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

No cimo da montanha
As águas que escorrem pelas frestas
São seiva e sangue sal e cor
A força enigmática do Sol que nos transcende
O deus distante ou o Deus que o governa

E quando os raios se desencadeiam
E a tempestade inquieta invade os montes
Uma pulsão de vida emerge e grita
Em cada pedra em cada toca em cada recanto
E pelos montes desabrocham crianças e flores

No cima da montanha
Espelha-se o céu
E o olhar de todo o mundo à volta.
Queria ser brisa do mar
Percorrer as praias desertas
Trazer notícias dos mundos distantes
Com o sabor fresco do sal

O mar e a brisa que o revela
Segredos de mundo aos ouvidos dos que passam
Perdidos sonhadores pensativos
Ao longo da praia a brisa é a música

A música que nos evolve no silêncio
Que nos agarra refresca recria
E nos conduz qual tocador de flauta
Ao mundo que nos há-de libertar.
Dias que passam rápidos
Num zumbido de noite numa ameaça de fim
Ao longe sempre o Sol que dá a força
É ao sol que me quero agarrar
Para ter calor para me sentir quente
Com a febre que dá a vertigem
A que transforma idade em aventura
A que tem a força dos que não desistem
Na procura dos caminhos da humanidade.

Subir...

Arrancar pela serra acima
Nos olhos um único alvo o mais alto
As pedras rolam a lama escorrega
Mas nada detém
A vontade que tudo deseja
O mundo o enorme mundo
Que nos acolhe nos abraça nos desafia.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Blocos de notas

Blocos de notas
Amontoadas nos bolsos
O que há a fazer
O que não se vai fazer
O que se vai definitivamente esquecer

Blocos de notas
Pedaços de vida de preocupações
Fragmentos de esperança de sonhos e ilusões
Enchem os bolsos transbordam dos bolsos
Perdem-se nos bolsos
No atordoamento de todos os dias
Que vêem crescer desejos
Criteriosamente anotados
Fatalmente esquecidos

Blocos de notas
Enchem os bolsos
Aguardam o destino
Numa qualquer máquina de lavar.

domingo, 9 de outubro de 2011

Broas

Vi na aldeia
Uma sombra
Era velha
E a estrada acabava

Vi na aldeia
Casas despidas
Tectos rasgados
E uma árvore
Por baixo nos bancos
Repousa o passado

Vi na aldeia
Trilhos em silêncio
Um eira
Um poço

Vi na aldeia
Os dias que já foram.
Uma flor no deserto
Seco árido gélido

A flor era vermelha
E via-se ao longe por ser única
Por ser bela
Por ser só

Uma flor impossível
Naquele deserto de areia e pó
Mas uma flor vermelha
A irradiar luz.

Arrastava-se na areia perdido
O homem a quem só restava o delírio
De olhos cerrados prostrado no chão
Adormece agarrado a uma flor vermelha.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A uma cadeira só

Passavam as horas
E a cadeira esperava serena vazia

Um lugar no mundo
À espera
De quem passa
De quem esteja cansado
Ou simplesmente queira olhar

No canto da mesa
Na esquina da rua
Abandonada numa sala
A cadeira está serena.

Na espera tem esperança
Que um olhar nela recaia
E simplesmente descanse.

Expansão

Em expansão!
Velozmente em expansão
E nós recuamos
Contraímos
Ínfimas criaturas
Do Universo que cresce
Ávido guloso
Sempre à espreita
Para se expandir
Do espaço que cada homem liberta
Quando se cansa e desiste
Quando se refugia e adormece.

E respira-se Universo
Transpira-se Universo
E até o sonho
É aprisionado pelo Universo
A expandir-se nos novos caminhos
Até ali só sonhados.

Poesia

Uma poesia rápida fugidia
É preciso reinventar todos os dias
Beliscar sacudir agitar
Todas as ideias de repente questionadas
Acordadas do sono insípido
Dos dias que passam iguais.

Uma poesia que brote do vazio
Prenhe de todos os universos
A tremenda explosão que em cada um acontece
Quando as palavras germinam
E vomitam luz que se eterniza

Poemas súbitos acasos puros
Mas inevitáveis
Como o mundo que brotou do nada
Ou talvez não.
Barcos partem
Anseiam pelo refúgio
Do horizonte

Um homem e um barco
E uma vontade imensa
Chamada mar

Um estrado de madeira
Conduz ao altar
Os apaixonados do mar.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Passeava pela marginal
A olhar o rio
O largo rio de todas as vidas

A margem do outro lado está lá
Uma linha uma luz uma mancha
A vontade é correr para as pontes
E nadar e voar
O que está do outro lado é sempre maior
Porque não se vê
Porque está longe
Porque o Homem sonha sempre outra coisa

Passeio pela marginal
Pelas gares marítimas pelos monumentos ao mar
E o que me inquieta é o que se passa
Exactamente do lado que não estou
Na outra margem de um qualquer rio.

sábado, 10 de setembro de 2011

Muito ao Norte...

Depois do caminho
Uma casa quente
Um lago gelado
Um banho no lago
Um calor que cresce
E logo arrefece
E logo aquece
Na corrida dos baldes
Na refeição que chega
Improvisada
Deliciosa
Quente
E depois dos baldes
E da vassoura
E de olhar a noite fria
Que não chega
A cama
Quente
A sonhar
Com o outro dia.

Muito ao Norte

Partimos para o Norte
Na ânsia entranhada da conquista
Daquela terra inexoravelmente só
Por entre lagos e bosques
Por entre pântanos e pedras

Vestida de verde num frenesim de vida
O tempo é pouco antes do noivado branco
E toda a terra se afunda em musgo e alimento
Milhões de bagas de formas e de cores

Caminhos longos de estrados infindáveis
De frágeis pontes de rios para atravessar
De montes ornamentados a neve

De mochilas às costas somos o filme
Que diverte a natureza altiva daqueles lugares.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Palavras Mágicas

As palavras mágicas
São as que nunca foram ditas
Mas nos habitam
As que nunca foram inventadas
Mas nos sussurram aos ouvidos

São palavras que persigo nos sonhos
Que quase alcanço nos instantes de embriaguez
Num êxtase de Sol ou estrelas
De mar ou planícies verdes

São palavras que quero gritar
Mas que não consigo
Porque são esquivas livres loucas
Porque habitam o mundo e nos desafiam
À incessante busca da sua sonoridade
Do seu sentido
Da sua existência

Palavras esquivas a todas as armadilhas
Dos poemas nunca terminados.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cais

Barcos a vogar num cais
Aprisionados acomodados adormecidos
Sempre as ondas que vão e vêem
Uma ondulação de azul
Com mensagens do oceano distante
Com que sonham todos os barcos
Ancorados no cais.
Sonham com os espaços imensos
Com as longas viagens
De um silêncio de brisa e ondas
E os gritos das gaivotas inquietas.

Barcos a vogar no cais
Tal e qual os homens
A vogar nas cidades
E a sonhar com a vastidão do mundo.
Os dias voltam à normalidade
Ou seja as noites sucedem ao pôr-do-sol
E as manhãs ao nascer esperado do sol
Ou duma claridade enublada
Ou mesmo molhada
Por isso as janelas se espreitam curiosas
Todas as manhãs
Dos dias normais
Em que se sai a correr
Em que se entra a correr
Em que a notícia banal
Preenche todo o jornal e telejornal.

Os dias voltam à normalidade
Agora são outros que defrontam a vida
Que esperam e desesperam pelos hospitais
Que se confrontam com o desespero
Dos que já não pertencem aos dias normais
Agora são outros que vejo e esqueço
Que não vejo nem quero ver
Porque quero esquecer
Porque simplesmente quero esquecer!

Até mais ver…

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Casas de repouso

Olhares entristecidos
Projectam-se para além
Da realidade sem futuro

Passos lentos
Os corredores longos
Assemelham-se à vida

São horas da refeição
Espalham-se pelas mesas
Sem fome de vida

É sempre solidão
No quarto aconchegado
Com fotografias de ausentes

Permanentemente à espera
De visitas
Ou da visita.
Peço segredo
As orelhas cresceram
As vozes sussurram

Na rua as palavras
Passam velozes
Sem respeitar sinais

Na rua as pessoas
Passam com pressa
Não há outra forma

Na ponte sobre o rio
Olha-se preguiçoso
A labuta das aves

Há quem chore
Na relva do jardim
Com medo do deserto

Na alameda verde
Deitados ao Sol
A respirar cidade

Brincam as palavras
Montes de pedras
A confundir direcções

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Um tronco de árvore na solidão da distância
Uma figura esquiva ao longe
Sulcos na neve nuvens em turbilhão
Um cavalo irrompe na noite
Negro como a figura
Construída no alcatrão da estrada
A observar os viajantes.

A noite é cortada pelo toque dos sinos
Para além da distância há uma torre
E uma igreja e um Deus
As figuras de alcatrão permanecem em silêncio
Só um cavalo que não se vê
Se aproxima
A neve está semeada de cascos
As nuvens semeadas de asas.

O cavalo que vem do nada
Atravessa a Humanidade
Acorre ao Absoluto.

Pesadelos

Uma imensa teia de aranha
Homens vermelhos
E um corpo que se agita
É o centro do mundo
Mas não sabe de que mundo

São teias de aranha
E muitos homens a olhar
Risos gritos e risos
E uma bola imensa
Com muitos fios
Talvez cabelos que se afagam
Talvez cordas que aprisionam
Talvez pedaços de vida que se dispersam

São espantosos os mundos que surgem súbitos
E se vão quando a luz se acende
Para desespero dum olhar
Perdido na noite de todas as aventuras
De um espírito em desvarios de êxtase.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O lago prolonga-se
Sentado à sua beira
Chego ao mar.

O mar junto aos pés
Carícias líquidas
Amores eternos.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Na berma do passeio
Uma perna em cima
Outra a hesitar.

Cesto de compras
Desejos inadiados
Ou sobrevivência.

Cai um borrão
Numa pauta vazia
Transfigura-se.

Pedi um lápis
Nasceu uma árvore
Distribuí os frutos.

domingo, 10 de abril de 2011

Passam aviões
Traços brancos
Em papel azul

Ouvem-se no rio
As pedras
A banharem-se

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Pintei a manta
Ficou roxa
De raiva.

Dedos esticados
Balouçam na corda
Acrobatas.

Língua de fora
Fogo por dentro
Palavras a explodir.

terça-feira, 29 de março de 2011

Primavera

Árvores despidas
Cravadas de flores
Apressadas.

Prados verdes
Salpicado de flores
Apressadas.

Primavera tímida
Desperta o desejo
Nas flores adormecidas.

Janela

Uma janela fechada
Um rosto vislumbra-se
No ondear das cortinas.

Uma janela meia aberta
Um rosto semiescondido
Uma verdade semi revelada.

Uma janela aberta
Um rosto espreita
E oferece-se ao mundo.

domingo, 27 de março de 2011

O combóio passa a alta velocidade
Perde-se atrás dos montes dissolve-se na neblina
As carruagens vão cheias de gente
Destinos entre dois carris que se perdem no horizonte.

Silva o combóio através dos montes
Luzes que encandeiam nuvens que escondem
São as paisagens deslizantes aos olhares que interrogam
Passageiros que um dia tiveram de partir.

O combóio sai de uma estação
Quem fica não conhece o seu destino
São duas linhas paralelas e um grito estridente
Lá dentro uma multidão de olhos arregalados
À descoberta do mundo.

Hospital

Na cama dum hospital sem tempo
Onde se sofre onde a dor não tem fuga
Onde a esperança definha a cada tortura
Os Homens lutam resistem protestam
Contra a dor contra a fragilidade contra a natureza
Contra os dias frios as tempestades
Contra os tormentos as inundações
Contra as injustiças as frustrações
Contra toda as afrontas ao ser humano
Ao mais íntimo do ser humano
Que rejeita a dor o sofrimento a morte
Que quer outra coisa que não sabe o que é
Não é a vida a eterna
Não é a felicidade eterna
Não é a saúde eterna
É qualquer coisa que não se sabe o que é
Que transcende todas as fronteiras do ser
E se digladia feroz contra as grades
De uma cama de hospital.

domingo, 20 de março de 2011

Primavera

Dias de Sol
Chega a Primavera
E a vontade de caminhar

Que bom o Sol
Espreguiçam-se os corpos
Aquece a alma

O olhar
Na Primavera
Floresce de novo
Um elástico nos lábios
Sinto uma vibração que ecoa
Uma melodia que se insinua
Uma voz que sussurra

A voz do elástico a tocar os lábios
Quiçá a beijar os lábios
Tenso alongado
A desfazer-se em melodia

Ou talvez a revelar segredos
Do mais íntimo dos corpos
Do mais ínfimo dos músculos
Do mais universal dos objectos

As cordas que vibram
A construir universos.

terça-feira, 15 de março de 2011

As cinzas dos vulcões deslizam
Demolidoras
As águas dos tsunamis escorrem
Devastadoras
As ondas dos sismos vibram
Devoradoras
As nuvens dos tufões rodopiam
Arrasadoras…

As forças do Universo
Em guerra
Com o Universo dos Homens.

Japão

Olhares rasgados
Trémulos incrédulos
Inundados de água
Imersos em água
Rasos de água.

E um medo surdo
Que vem do inacessível
Do interior da terra
E da poeira
Arrastada pelo vento
Todos os fantasmas da morte
Dançam sobre os olhos
Inundados de água
Náufragos da vida.

Naquela terra distante
Os que estão vivos
Caminham em silêncio
Submissos ao destino.

domingo, 13 de março de 2011

Absurdos

O ser humano
Vive no absurdo
Alimenta-se do absurdo

O absurdo
Assusta e desperta
Aniquila e revigora

No início do caminho
Cada absurdo
Um desafio

No meio do caminho
Digladiam-se certezas
E absurdos

No fim do caminho
Os absurdos
Juntam-se a nós.
Num instante puro
A terra tremeu
E o oceano invadiu a terra
E uma central nuclear explodiu
Num instante puro
As horas tornam-se séculos
E a vida esgota-se nos breves momentos
Em que desperta.

Tsunami

Onda gigante imparável devoradora
Nenhuma forma humana se lhe pode opor.

E as casas os barcos os comboios
As praias as flores a planície
Todas as fragilidades que o homem ama
São arrastadas com ele para o nada
Montes de lama de sucata de lixo
Tudo o que somos a girar no espaço
Frágeis como os planetas e as estrelas
Devoradas pelos imensos buracos negros
Devorados pelas gigantes marés brancas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Uma feira de vozes
Numa sala fechada…

Caiu a noite
Fez-se silêncio
Tudo partiu

A um canto da sala
Uma jarra
E duas flores
A beijarem-se furtivas

Fez-se silêncio
E o amor surgiu!
Quero acreditar
Que tudo tem um sentido
Que as lágrimas que correm
E o sangue que se derrama
Alimente o imenso oceano da eternidade
Altar de todas as bodas
Forno de luz
A jorrar borboletas no Universo.
Caminhava pela estrada
Num sem sentir total
Nem a chuva nem o vento
Nem um frágil pensamento
Que se revolte

Era muito longa a estrada
Uma recta sem fim
As árvores iguais
Ao longe um deserto
Mas nem o olhar temia
Nem o corpo sofria
Caminhava ausente
Pela estrada sem fim
Sem sombra de dúvidas
Era aquele o caminho
Que decidiu seguir

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Os homens saíram à rua
E não se importaram de morrer
E o poder tremeu
E o poder caiu

E os homens acreditaram
Que o destino se constrói
E o seu barro é o sonho
E foram para a rua
E o poder tremeu
E o poder caiu

E os homens descobriram
Que não estavam sós
Que outros homens viviam a mesma solidão
A mesma fome a mesma fatalidade
E foram para rua
E o poder tremeu
E o poder caiu

Os homens sempre os homens
Adormecidos manietados
Até um dia
Em que não se importaram de morrer
E foram para a rua
E o poder tremeu
E o poder caiu
Tantos olhares postos no céu
Um único céu
Um único pensamento
A grande dádiva da vida
Nessa imensidão de Ser
Em que todos estamos
Num abraço feito Terra
O paraíso prometido
Em cada pedaço de chão
Onde os pés repousam
E de joelhos as mãos oram

Tantos olhares desesperados no céu
Na ânsia de qualquer coisa que seja sinal
Quando as mesquitas explodem
E as igrejas são devastadas a tiro
A humanidade fica mais só.
Está longe o Sol
E quando o olho não consigo ver…

Os olhos fecham-se porque tenho medo
Tão longe tão inalcançável
Queria olhar!

À minha volta uma fogueira
Dentro de mim um fogo intenso
E todo o sonho se projecta no longínquo
Aquela bola que não ouso olhar
Por ter medo de a perder
Por ter medo um medo de deixar de a ver
O fogo
A luz
O céu incendiado de cores
E o teu rosto a sorrir ao longe!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Acidente

Todos os dias trazem novas surpresas
Acasos impensáveis obscuros temidos
Todos os outros têm direito ao destino
Mas cada eu espera as coisas predizíveis

Todos os acidentes têm uma história
Mas não deixam de ser imprevistos brutais
Os que fazem a história de cada homem
Que nasce num instante de rotura
Mas não deixa de temer todas as roturas

Estava um dia de Sol
No instante a seguir num hospital escuro
As dores eram lágrimas de raiva
Nenhuma razão se conforma com os acasos da vida.
Na esquina da rua
Alguém espera
A manhã cresce
Vem a tarde e vai-se
E chega a noite.

Na esquina da rua
Alguém espera
Pela manhã.

Dilúvio

Pássaros voam sobre a imensidão da água
Procuram os caminhos os cantos os ninhos
Mas a água imensa um oceano que arrepia
Paira sobre o olhar de espanto dos náufragos

As asas batem já cansadas
As árvores deixaram de existir
As torres os campanários as antenas
Todas as referências se afundaram se foram

E as aves interrogam o céu
Tal como os homens tal como as árvores
Só o silêncio do espelho de água
Responde ao grito das inquietações.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cresce em mim a multidão que se angustia
Cruzam os meus olhos os séculos que se passaram
E os homens e mulheres que então buscaram
Para além da sobrevivência um sentido

Cresce em mim a sensação do que está longe
Das coisas que outros irão fazer
Das perguntas que ninguém irá responder
Tal como hoje na mesa dos cafés de todos os dias

Cresce em mim o Universo que se avizinha
Imenso assustador apaixonado
Todos os homens procuram o seu destino
No brilho das estrelas de todo o sempre.

Dilúvio

A água corre e os homens fogem
E as cidades ficam submersas
E os homens correm e fogem

E os que ficam?
Naufragados na lama
Imersos em lama
Feitos lama
Um regresso à terra
Angustiado
Incompreendido
Cheio de dor

Toda a morte
É de dor
Como o parto
Como todas as grandes mudanças
As que trazem as correntes de água
Os grandes dilúvios
Sinais enormes de recomeço
A arca talvez seja uma ilusão
Mas a vida renasceu

No meio das cidades
Só há gritos
E corpos arrastados
Os que sobrevivem olham
E partem
Para outros paraísos
Prometidos.