domingo, 29 de novembro de 2009

Pintura

Uma tela vazia e uma imensa vontade de gritar
E os gestos lançam-se na aventura de cores inventadas
E uns olhos semicerrados sonham paisagens de revolta
Ou simplesmente orgasmos de vida em estertor de sofrimento.

E nascem manchas riscos talvez direcções
E olhos terrivelmente abertos mãos que tudo dominam
Sobre a tela nascem monstros ou fantasmas ou homens
Sempre vulcões a escorrer em cada fragmento de cor.

Telas penduradas pelas parede duma qualquer exposição
Traços manchas cores dramas exaustos e adormecidos
Despertam em quem passa uma vaga inquietação
A do reencontro com aquele olhar que já se suspeitava que existia
Algures no mundo fugido de nós algures no tempo.
Bato numa pedra
Rogo uma praga
O caminho endurece

Oiço queixumes
Por detrás de paredes
Transparentes à dor

Gritos na rua
Ninguém olha
A violência alheia

Tremem as mãos
O frio passou
Mas a dor não

Olhar angustiado
Para o extremo da rua
Os passos perderam-se

Passos interrompidos
Velhos nas passadeiras
Não chegam a tempo

Junto a uma parede
Num dia sem luz
Confia na sombra

Num quarto isolado
As janelas fechadas
Escondem o mundo

Uma bola nas mãos
O prazer de jogar
O mundo.

Outono

Outono profundo
As folhas almofadam
A chegada do Inverno

No jardim abandonado
As flores fogem
À tempestade

Dias cinzentos
As roupas escuras
Reflectem o céu

Faz frio na rua
O mio do gato
Gela os ouvidos

Praias desertas
O vento e a chuva
Brincam nas ondas

Ruas molhadas
Os pés escorregam
As crianças patinam

sábado, 21 de novembro de 2009

Seca

A terra está seca
Os animais olham inquietos
Os homens sofrem a fome
Dos que não têm pasto
As nuvens partiram
Os animais olham
Os homens
Olham as nuvens
E sofrem a fome
Dos que ficam
Perdidos num deserto
Olhares que definham
Esqueletos adivinhados

Não chove
A água das nascentes
partiu com as nuvens
Os animais deitam-se
E esperam
Que o deserto os devore
Os homens partem
Com as nuvens
E com a fome.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Palavras ao acaso

Ditas ao acaso
As palavras
Disparam sem previsões
Nem ilusões
Fingem construir mundos
Mas apenas para rir
Fazer troça
Das palavras ditas ao acaso...

Como o mundo
Que ao acaso
Finge construir sentidos
Grandes projectos
Apenas para rir
De quem acredita ser possível
Um mundo com sentido

Não há sentido na lutas das estrelas
No céu atravessado por meteoritos
No vórtice dos ciclones
Na terra que treme e levanta o mar

E por isso as palavras ao acaso
São verdadeiras
Mas desprovidas de todo o sentido
Apenas para rir
Ou seriamente
Tentar ser mundo.