sábado, 30 de outubro de 2010

Caminhar sob a força da chuva
Os pés a desfazer a lama que enleia
Os olhos molhados e ameaçados
Pelo vergastar dos pingos e do vento

A paisagem diluída em chuva
Num céu negro turbulento e agitado
Caminhos revoltos pela água em torrente
Pelos montes veados pastam

E caminhamos alienígenas entre os montes
Embarcados em mundo encharcados em natureza
A ligação entre a lama e as nuvens
Entre o palpitar da terra e o que a transcende.
No meio da festa
Olhou em volta
E não conheceu ninguém
Num desespero de solidão
Correu
E tropeçou em todos que corriam
Mas não encontrou ninguém.

E a festa era ruidosa
Os ouvidos trepidavam
Nenhuma palavra tinha alcance
E sentiu-se só
E correu
A música levantou barreiras
E dançou num frenesim
De fuga
Mas não encontrou ninguém.

A festa foi o outro dia
Deambulou desde então
Mas não encontrou ninguém.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Pipas de palavras apalavradas
Tantas vezes apalermadas alarmadas
Povoam pastam pavoneiam-se
Pelas praças pelas ruas pelas desgraças

Palavras aos molhos molhadas desbotadas
Inundam afogam alagam alarmam
Lagos a transbordar palavras como as nuvens
Catadupas tempestades florestas derrubadas

Palavras anarcas descontroladas enlouquecidas
Arrasam os campos destroem as sementes
O que resta são troncos de ideias desfeitas
De encontro às rochas a reinventar significados.
Recados sussurrados cochichar de segredos
Alguém contou uma história e desapareceu!

Rastejam pela cidade histórias invasoras
Subversivas perigosas explosivas
Insinuam-se nos bancos dos jardins
Penetram por debaixo das portas
E infiltram-se nos pensamentos adormecidos.

Estão por todo o lado as histórias
Vieram de onde a memória não recorda
Perigosas para o poder que as não controla
Desafiadoras para as mentes que as ignoram.

E os que nelas acreditam falam baixinho
As palavras escorrem numa lentidão que é fermento
Contra todos os poderes e vontades
As histórias preparam-se para transformar o mundo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pisca tímido o olhar
Pressente ser seguido
Por outros olhares
Ser descoberto na intimidade
Da procura curiosa de respostas
Às questões que todos sabem
Mas não convencem
Respostas ditadas por livros da escola
Ou por discursos eruditos na televisão.

Pisca incomodado o olhar
Pelo nevoeiro que se levanta
Pelo pó que se agiganta
Provocado pela correria assustada dos que passam
Sem ver
Mas interrogam quem interroga
Quem põem em causa
As verdades das escolas
E dos discursos.

E o olhar em gestos cautelosos
Varre os livros os dias os velhos
O céu azul as estrelas
As quedas de água
O pôr-do-sol no lago
A noite escura.

E antes de adormecer
Descarrega o que é novo
No mais profundo do seu ser
Onde os poemas germinam.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Uma serpente enleia-se no candeeiro da cidade
A luz torna-se mais brilhante e encandeia
Dois enormes olhos carregados de luz
A terra revoltada espreita e questiona

E as serpentes invadiram as cidades
A noite dos bosques agora noite dos pesadelos
Olhos brilhantes a anunciar tempestades
A luz dos candeeiros tornada inútil

Na praça central um candeeiro muito alto
Cá em baixo lutam homens e serpentes
Aquela luz lá em cima é a última chama
Dos que se julgaram um dia deuses

As serpentes desalojadas dos bosques
Marcharam para a cidade
Subiram aos candeeiros
Engoliram a luz e reinaram.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Brincam crianças na relva do jardim
Uns pássaros esvoaçam sobre o oceano
Uma onda enorme aproxima-se
Passeia no lago um par enamorado
Pela trela um cão refugia-se do mundo
Um canário na gaiola espreita
Cantam nas ruas conversas despreocupadas.

Cruzam-se histórias de mar e terra e céu
Desencontro de vontades encontros de acaso
No meio dum quadro um enorme olho
A vigiar os que passam despreocupados.

sábado, 9 de outubro de 2010

Notícias

Cidade cinzenta
Uma chuva miúda e vento
Nuvens gigantes
E árvores de folhas amarelecidas.

Outono na cidade e no espírito
Os passos arrastam-se mais lentos
A pressa pelas notícias não é nenhuma
Na atmosfera deprimida do quotidiano.

Outono dos dias mais pequenos
Das noites que não chegam a ser dias
Porque os olhos se recusam a abrir
Porque não há pressa pelas notícias.

Porque são cinzentas deprimentes
Como o tempo dum inverno que ameaça
A chuva que cai as nuvens que cercam
E as notícias que nos esperam.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Encruzilhadas

Encruzilhadas
Todos os caminhos convergem
Mas no olhar teme-se o desconhecido
Exactamente o caminho que não estava na encruzilhada

Os passos hesitam
A música é um toque desesperado de tambores
De guerra de feira ou de feitiço
Toda a dança é pela noite dentro
Quando as luzes se apagam
E outros caminhos se revelam.

Encruzilhadas
A solução é fechar os olhos
E esperar por novo dia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Escrever sobre nada
Sobre o que não deixa marcas
Mas subtilmente subtrai momentos à vida.

Escrever sobre os pequenos gestos
As conversas superficiais que se mantêm
No jogo de todos os dias
Que assistem ao lento desenrolar do tempo.

Escrever nos intervalos de não fazer nada
Que se possa contar ou recordar
E descobrir nas palavras inventadas
O devir inexorável da vida.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ressoam as flautas nas montanhas Andinas
Tapete mágico transportado a música
Que nos conduz à profundidade da terra
Onde as serpentes espreitam
Às florestas húmidas e silenciosas
Onde os pumas reinam
Ao cimo das grandes montanhas
Onde os condores vigiam

Ao som das flautas
Descubro o caminho dos deuses
O grande Sol e seu filho Pacha Kamac
Refugiado nas pedras dos templos
Altivas eternas misteriosas

Tocam as flautas das montanhas Andinas
E o Sol à espreita no horizonte agradece.