domingo, 24 de janeiro de 2010

Haiti

Os dias passam no túmulo negro
E a esperança resiste
À fome à sede à ameaça da morte
E espera

Ao longe numa distância absurda
Gritos que chamam máquinas que gritam
E o túmulo a mais terrível das fronteiras
A prender todos os sonhos de uma vida

No silêncio dum corpo que respira e dum coração que bate
Os lábios murmuram vagas orações
A noite e o dia fundidos no mistério
De uma pequena brecha ou estrela longínqua

E as horas e os dias passam...

No repente violento de um qualquer parto
Os olhos incendeiam-se de luz
E débeis os braços erguem-se para o céu
A abraçar a vida o mundo e a estrela que foi guia.

Haiti

Silêncio cortado de gritos
A terra deslizou nas entranhas
A humanidade abriu brechas
E os sonhos ruíram

E as lágrimas foram engolidas
Pela terra pela água suja por outras lágrimas

Uma mão aberta a brotar da terra
Uma flor desesperada um adeus
Os olhos tropeçam e precipitam-se
Na maré que cresce num oceano de dor

E os gritos em gargantas enrouquecidas
Atordoam o silêncio dos que estão adormecidos

Ao abrigo das casas feitas entulho
Em nichos apertados feitos túmulos
Corpos manietados remexem olhos
Na busca duma qualquer luz que seja vida

E um cão fareja enlouquecido com o cheiro a morte
Perdeu todo o sentido e todas a esperança se perdeu.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Jogo de cartas

Jogo de cartas
Na mão o destino
Que os outros desejam

Jogo de cartas
Reflectidos no olhar
Segredos escondidos

Jogo de cartas
Um baralho de acasos
Um caminho sem mapas

Jogo de cartas
Os acasos da vida
Na palma das mãos

Jogo de cartas
Na mesa a vontade
De jogar a vida

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Campo de refugiados

Brincam crianças
Caiem bombas
No jogo do assusta

Campo de ruínas
Uma bola de nada
É pontapeada

Gritos e risos
Fogo e fumo
Jogo das escondidas

Nos esgotos enlameados
Modelam bonecos
E dão-lhe banho

Saiem de casa
Correm pelas ruas
Regressam vivos

Olhares brilhantes
Troçam da morte
Amam o mundo

domingo, 3 de janeiro de 2010

Uma melodia ao longe
Num passo de dança
Levanto-me e corro

As vozes crescem
A orquestra delira
Paro esmagado

Passa uma ave
Oiço-lhe a vibração
Na melodia que me invade

Partem os músicos
As notas ressoam
Até à eternidade

"The Wrestler"

Em cima das cordas diz adeus
De braços abertos lança-se e voa
Para uma tranquilidade que o acolha.

Estava só no mundo dos que aplaudem
Quando se segue no fim do espectáculo
Ao frenesim dos gritos saudações
O silêncio devastador das ruas desertas

Corre desajeitado o gigante de todas as ovações
E pede um olhar uma palavra um gesto
As portas batem os sorrisos fecham-se
Todos os olhares são de dúvidas e adeus

As ruas estão desertas as crianças partiram
O corpo envelhecido estremece
Nos ouvidos os gritos da multidão
O verdadeiro único corpo que é carícia

E de olhos velados parte
Prepara os braços os punhos a mente
A multidão grita o peito abrasa os braços abrem-se
Em cima das cordas acena frenético

E diz adeus.